As influências nos investimentos e na vida

Creio que a maioria de nós, pequenos investidores, admira algum investidor de sucesso. Muitos admiram o brasileiro Luiz Barsi, muitos admiram Warren Buffett, Peter Lynch etc. São modelos de pessoas que alcançaram a excelência nos investimentos.

A maioria de nós, pequenos investidores, lê os livros que relatam a trajetória dessas grandes referências. Muitos já leram A Bola de Neve, O Jeito Peter Lynch de Investir etc.

E por que gostamos de ler sobre esses grandes investidores? Somente para conhecer a historia de sucesso deles? Somente para saber como eles chegaram lá? Para descobrir como é o perfil dos grandes investidores de sucesso?

Por tudo isso. E, também, para termos uma referência. Sim, uma referência. Precisamos de referência no mundo dos investimentos. Pense no início da sua jornada como investidor. Como você começou a aprender sobre investimentos? Você assistiu vídeos de algum youtuber? Leu livros sobre algum grande investidor? Fez algum curso on line com algum investidor experiente? Essas foram suas primeiras referências.

No fundo, essas referências acabam nos influenciando. Positiva ou negativamente. Com alguma frequência, você admira aquele youtuber que você acompanha, aquele investidor mais experiente que ministrou o curso que você fez, ou aquele grande investidor retratado nos livros, e acaba querendo ser um pouco como eles. Afinal, são nossas referências de investidores de sucesso.

É como se você não soubesse nada de investimentos e alguém te mostrasse um caminho a seguir, caminho esse que já foi testado e comprovadamente deu certo. É natural pensarmos dessa forma e sermos influenciados.

Já pensei muito sobre isso. Sobre como fui influenciado por esses investidores que são verdadeiras referências.

Por exemplo, nos meus primeiros anos como investidor, só tive contato com investidores mais voltados ao estilo buy and hold. No início da jornada eu não tive contato com nenhum trader. Isso certamente moldou o caminho que eu iria trilhar. Tanto é verdade que, hoje, e desde o início da minha jornada, eu sigo a linha buy and hold, pois essa foi a referência que eu tive no começo. Nunca pensei em ser trader, e certamente eu nunca pensei nisso porque eu nunca tive essa referência na minha vida.

Se eu tivesse descoberto o mundo dos investimentos sob a batuta de algum trader, talvez hoje eu fosse mais um. Entretanto, quando eu comecei, eu nunca tinha ouvido falar em contratos de dólar, mini-índice, futuros, alavancagem etc. Eu não tive esse tipo de referência, então, eu naturalmente não segui por esse caminho. Eu nem sabia que isso existia, então essa não era uma opção para mim.

Ao menos no começo da jornada, quando estamos descobrindo esse mundo dos investimentos e não conhecemos tudo que existe nesse meio, penso que somos influenciados pelas pessoas que enxergamos como referências no assunto. São referências daquilo que eu quero ser.

Na verdade, essa constatação é bastante óbvia. Basta observar o que ocorre em quase todos os aspectos da nossa vida. Geralmente, se nossos pais são católicos ou evangélicos ou muçulmanos ou judeus, nós, desde pequenos, temos essa referência religiosa desde o início de nossa vida e, naturalmente, também seremos católicos ou evangélicos ou muçulmanos ou judeus conforme nossos pais são.

Igualmente com futebol. Se seus pais são botafoguenses ou palmeirenses, essa será sua referência inicial de mundo e a tendência é que você também se torne botafoguense ou palmeirense. É a referência que nós temos. Ao menos inicialmente, quando estamos no marco zero, sem saber nada, penso que é bastante normal seguir as primeiras referências com as quais temos contato.

Então, penso que nossa jornada de investimentos é muito influenciada pelas referências que nós temos no início. Ao menos foi isso que ocorreu comigo.

Penso que nós somos uma espécie de “vitamina”. Cada um de nós tem um liquidificador. Cada referência que temos é um ingrediente que nós jogamos dentro do nosso liquidificador. Conheci a filosofia da Bastter.com, foi um ingrediente no meu liquidificador. Conheci a filosofia do Eduardo Cavalcanti, joguei essa referência no liquidificador. Cada referência é mais um ingrediente que colocamos em nosso liquidificador. O liquidificador vai misturando todas as referências e, no final, faz aquela “vitamina”. Nós somos essa vitamina. Somos o produto das referências que tivemos ao longo da vida.

Obviamente, há exceções. Por vezes, temos contato com alguma referência que não nos agrada e, nesse caso, não jogamos essa referência dentro do nosso liquidificador. Por exemplo, algumas pessoas crescem, têm contato com outras referências e acabam vestindo a camisa de outro time ou acabam mudando de religião.

Meu exemplo pessoal. Desde quando eu nasci, meu pai, botafoguense, sempre me vestiu com camisa do Botafogo, sempre disse que eu era botafoguense e sempre espalhou para a sociedade que seu filho era botafoguense igual ao pai. Porém, quando cresci um pouco e comecei a ter mais noção de mundo, comecei a olhar as coisas ao meu redor e entender como elas funcionavam. Eu logo percebi que o Botafogo não era um time de muitas vitórias ou de ganhar muitos campeonatos. Logo percebi que a vida de botafoguense seria bastante sofrida. Então, aos 7 anos de idade, para profundo desgosto do meu pai, eu decidi que seria palmeirense. Abandonei a primeira referência que eu tive, do meu pai. Tirei essa referência do meu liquidificador. 

Por que fiz isso? Simples. Quando eu tinha meus 6-7 anos e comecei a entender de futebol, o Botafogo não ganhava nada. Não era campeão de competições nacionais ou internacionais e nem sempre ganhava as partidas. Eu não entendia por que meu pai era botafoguense. Eu não entendia o sentido de torcer para um time que não ganhava.

E, então, percebi que temos outro tipo de referência: a referência daquilo que eu não quero ser.

Eis aqui um grande desafio: identificar as referências de coisas que não queremos em nossa vida. São aqueles ingredientes que você não quer colocar no seu liquidificador porque não gostaria que eles fizessem parte da sua vitamina.

Basta verificar ao seu redor para perceber que esse tipo de referência também ocorre em tudo na nossa vida. Você já pensou “eu não gostaria de morar naquele bairro da minha cidade”? É uma referência daquilo que você não quer para sua vida. Você já pensou “eu não gostaria de ter aquele modelo de carro, prefiro outros”? Também é uma referência daquilo que você não quer para sua vida.

Assim, você acaba moldando a sua trajetória de vida. Quando decidir comprar sua casa, você vai evitar aquele bairro que você não gosta. Ou quando for comprar seu carro, você não vai comprar daquele modelo que não te agrada. São os ingredientes que você não vai colocar no seu liquidificador.

Portanto, penso que temos esses dois tipos de referências:

(1) as referências daquilo que queremos ser
(2) as referências daquilo que não queremos ser.

Hoje, distinguir esses dois tipos de referência é um grande desafio no mundo dos investimentos. Identificar quais referências serão e quais não serão incluídas em nosso liquidificador.

Temos um excesso de informação. Todo mundo fala de investimentos. Em todo lugar. A cada semana é criado um novo canal no Youtube. A cada dia brota da terra um novo influencer de finanças. Familiares e colegas do trabalho começam a falar de Bolsa de Valores, trader, forex, bitcoin etc. Grupos de WhatsApp sobre investimentos surgem aos montes tal como pragas na plantação. Começamos a sofrer todo tipo de influência possível.
E o desafio é justamente selecionar quais referências serão colocadas dentro do nosso liquidificador e quais referências ficarão de fora. Afinal, qual sabor queremos dar à nossa vitamina? Que tipo de investidor queremos nos tornar?

Tarefa difícil. Sinceramente, não sei se há uma resposta única que serve para todas as pessoas. Penso que cada investidor deve descobrir a sua resposta. Mas vou compartilhar como eu faço essa seleção, ou seja, como eu escolho meus influenciadores.

Para separar o joio do trigo, penso em uma frase atribuída a Charlie Munger:

“A lot of success in life and business comes from knowing what you want to avoid: early death, a bad marriage, etc.”

Essa é uma bela referência. Muitos sucessos na vida e nos negócios vêm de saber o que você quer evitar. Para mim, isso funciona. Acho mais fácil identificar as referências daquilo que eu não quero ser.

Vou dar alguns exemplos pessoais.

A maior parte do meu trabalho ocorre em céu aberto. Se estiver chovendo, eu trabalho debaixo de chuva. Se estiver um sol de 40º graus (o que não é difícil no Brasil), eu trabalho debaixo do sol quente. Aquela frase bíblica “do suor do teu rosto comerás o teu pão” se encaixa bem na minha vida. Só eu sei o quanto eu tenho que suar para ganhar o dinheiro que eu invisto. E justamente por isso eu adoto uma postura mais conservadora nos investimentos. Não gosto de dar chance para o azar. Não costumo adotar posturas demasiadamente arriscadas nos investimentos para evitar perder o dinheiro que tanto suei para ganhar.

Em 2019, vi um camarada no Youtube falando da possibilidade de a Bolsa de Valores sair dos 100mil pontos e alcançar os 500mil pontos em pouco tempo. Era uma teoria excessivamente otimista. Os astros deveriam se alinhar perfeitamente para isso dar certo. Logo descartei esse tipo de influência.  

Como disse, só eu sei o quanto eu suei para ganhar meu dinheiro e por isso não gosto de acreditar em teorias duvidosas ou mirabolantes. A chance de dar errado me pareceu maior que a chance de dar certo (escrevo isso após 6 circuit breakers e, hoje, a bolsa está abaixo de 80mil pontos...). Esse é um exemplo de referência que eu não quero na minha vida. Não se alinha ao meu perfil, é um ingrediente que não quero na minha vitamina.

Outro exemplo. Pouco tempo atrás alguém inventou a intrigante teoria do “buy and foda-se”. Como assim, “foda-se”? Ora, eu suei muito para ganhar meu dinheiro, por isso me sinto na obrigação de dar muito valor a ele. Não tem essa de “foda-se”. Eu acompanho meus investimentos. Quando percebo que algo pode ser melhorado, eu mando e-mail para os gestores. Eu olho as demonstrações financeiras, estou em dia com os fatos relevantes e tese de investimento do fundo. Eu sei para onde meus ativos estão caminhando. Eu até admito falar “foda-se” para coisas irrelevantes da minha vida. Mas quando o assunto é o dinheiro que eu tanto suei para ganhar, quando o assunto é o meu bem estar na velhice, aí não! Não dá para falar “foda-se”. Não é esse tipo de ingrediente que eu quero colocar na minha vitamina. Mais uma referência daquilo que eu não quero ser.

Último exemplo. Há pouco tempo atrás percebi que alguns investidores começaram a compartilhar nas redes sociais seus aportes quase milionários, mostrando para toda a sociedade o quão milionários eles são. O Brasil é um país cuja segurança pública ainda é precária. Temos histórico de pessoas sabidamente milionárias que foram sequestradas. Uma das coisas a qual mais dou valor na minha vida é a tranquilidade que tenho para andar aonde eu quiser e no horário que eu quiser. Graças a Deus moro em uma cidade que ainda permite isso. É uma sensação de liberdade única. Eu não gostaria de arriscar perder essa tranquilidade. Por isso, aliás, que os maiores blogueiros de finanças do país são anônimos. Acho que sair falando, para quem quisesse ouvir, que sou milionário, não se encaixa no meu estilo de vida. Mais um exemplo de ingrediente que não quero colocar no meu liquidificador. Deixa minha vitamina discreta como ela está.

Veja bem, não estou criticando esses influencers. Essas teorias certamente servem no estilo de vidas deles. Mas não servem no meu. Só isso. No fundo, você deve fazer uma análise crítica e decidir quais influências você quer na sua vida.

Basicamente, é assim que vou moldando minhas referências no meio de tanta influência que temos hoje em dia no mundo dos investimentos. Excluindo aquilo que eu quero evitar, conforme a referência de Charlie Munger. 

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