Rendimentos suspensos: acabou o sonho de independência financeira?



No meio da pandemia imposta pelo novo coronavírus, empresas brasileiras e fundos imobiliários começaram a suspender temporariamente o pagamento de proventos aos investidores. A medida é salutar. A prudência orienta ter caixa nesses momentos difíceis para a economia. O caixa reforçado é necessário para atravessar o período de vacas magras.

Particularmente no mundo dos fundos imobiliários, vários fundos do segmento de shopping center, um dos segmentos mais populares dentre os investidores, zeraram rendimentos no mês de março de 2020, a exemplo de ABCP, SHPH e XPML. Aqueles que não zeraram, diminuíram muito os rendimentos usualmente pagos aos cotistas, como VISC, HGBS e MALL por exemplo.

Nesse contexto, muitos investidores começam a se questionar: rendimentos suspensos, acabou o sonho da independência financeira?

Imagine que você está seguindo seu planejamento rumo a independência financeira. Todos os meses você trabalha, recebe seu dinheiro e poupa uma parte para investir visando o longo prazo. Seu plano é chegar lá na frente, em uns 20 ou 30 anos, com patrimônio suficiente para viver da renda que esse patrimônio lhe proporciona. No papel, o plano parece muito bom, né?

Sim, parece. Até que o mundo entra em quarentena devido a um novo vírus que surgiu do outro lado do mundo, e seus ativos geradores de renda param de gerar renda. Hoje, você está jovem, trabalhando e tem longos anos de acumulação pela frente. Mas fica com a pulga atrás da orelha: e se isso acontecesse na fase de fruição? E se isso acontecer lá na frente quando eu estiver vivendo de renda? Imagine você uns 30 anos à frente, vivendo da renda gerada pelo seu patrimônio. Você depende dessa renda para viver. De repente, não tem mais renda. Ou sua renda cai drasticamente.

O que você faria em um cenário desse? Esse plano de independência financeira dá certo mesmo? Você está tranquilo vivendo de renda, quando, de repente, não tem mais renda. E agora? O sonho acabou?

Calma. Não, o sonho não acabou. É claro que ninguém passa imune a uma crise sem precedentes. Caso você estivesse vivendo sua independência financeira hoje, durante a crise do coronavírus, você provavelmente sentiria algum impacto. Porém, há algumas formas de mitigar o impacto. Como? Dando um passo atrás.

Antes de falar em independência financeira, antes de falar em viver de renda, antes de falar de investimentos, devemos falar de educação financeira. É a educação financeira que fornece as bases para o indivíduo viver financeiramente tranquilo durante toda sua vida. Vamos elencar alguns pontos que a educação financeira nos ensina que podem lhe ajudar nesse cenário de crise, mesmo que você já seja ou pretenda ser independente financeiramente.

1. Reserva de emergência

O primeiro ponto não poderia ser outro. A educação financeira nos orienta a ter uma reserva de emergência. E isso serve para todos: funcionários públicos, empregados CLT e autônomos.

O objetivo da reserva de emergência é exatamente esse: proporcionar um colchão de segurança que lhe permita atravessar um momento mais custoso financeiramente de forma relativamente tranquila. Serve para te dar tranquilidade.

Reserva de emergência, aliás, não serve apenas para emergências negativas, como a perda do emprego, uma despesa médica inesperada ou um acidente de carro. Serve também para emergências positivas: uma promoção para o emprego dos seus sonhos, mas em outra cidade, que necessitará de despesas iniciais com a mudança de residência; a notícia de uma gravidez não planejada, que, embora seja uma benção extremamente positiva, traz alguns gastos iniciais como enxoval, exames médicos etc. Portanto, a reserva de emergência serve para te dar tranquilidade diante de uma situação inesperada, fora do seu planejamento, situação essa que pode ser tanto positiva quanto negativa.

Imagine que você está vivendo de renda e, de repente, surge um vírus que afeta o mundo todo, fazendo as empresas e os fundos imobiliários suspenderem o pagamento de proventos. O que fazer? Usar a reserva de emergência para atravessar esse momento de crise.

Quem está vivendo de renda e depende dessa renda para sobreviver pode passar um aperto com a falta de renda. Mas esse período de crise será bem mais tranquilo financeiramente se o indivíduo tiver uma boa reserva de emergência. Então, mesmo para quem “já chegou lá” e vive a independência financeira, é prudente ter uma reserva de emergência que seja suficiente para custear de 6 a 12 meses o padrão de vida.

É melhor estar preparado e não acontecer a emergência, do que acontecer a emergência e não estar preparado.

2. Ser Superavitário

É a velha ideia de não gastar tudo que se ganha. É ter suas receitas sempre maiores que suas despesas. É fazer sobrar dinheiro no fim do mês. Quem está na fase de acumulação rumo à independência financeira sabe muito bem que temos que poupar uma parte das nossas receitas para investir visando o longo prazo.

Mas esse conceito de poupar uma parte das receitas não acaba. Fazemos isso durante toda a fase de acumulação e devemos continuar fazendo na fase de fruição. Mesmo quando se vive de renda. Quem não é superavitário pode quebrar em algum momento da vida. Ter mais despesas do que receitas é perigoso em qualquer fase da vida financeira. É uma boa maneira de dilapidar o patrimônio. A prudência orienta a ser superavitário sempre.
Agora, imagine que você já viva de renda, já seja independente financeiramente, quando chega a crise do coronavírus. Se você já é superavitário, você naturalmente já tem suas reservas sobrando para enfrentar esse período de dificuldade.

3. Viver um degrau abaixo

De certa forma, está ligado ao conceito anterior de ser sempre superavitário. Se você ganha 5 mil reais e vive com 5 mil, você não é superavitário. Você está empatado no zero a zero. Isso não serve. Se a crise vier e reduzir seus rendimentos, você estará em maus lençóis. Não receberá rendimento suficiente para manter seu padrão de vida e sofrerá uma redução no seu padrão de vida.  

Por isso é prudente ser superavitário a vida toda e viver um degrau abaixo, fazendo sobrar uma gordura. Se vier a crise e diminuir seus rendimentos, você terá uma gordura para queimar. E quem sabe nem sofrerá uma redução do padrão de vida. Ou, ao menos, sofrerá bem menos.

Por exemplo, se você recebe 5 mil reais de rendimentos e vive apenas com 4 mil, caso a crise proporcione uma redução dos seus rendimentos para 4 mil reais (por exemplo, com os fundos imobiliários de shopping que zeraram rendimento), ainda sim você poderá manter seu padrão de vida, pois você tinha uma gordura para queimar. Você ganhava 5 mil mas vivia com 4 mil. Caso você passe a ganhar 4 mil, terá condições de permanecer com seu padrão de vida inalterado.  

Cuidado com seu padrão de vida. Muitas pessoas aumentam seu padrão de vida na mesma proporção em que suas receitas aumentam. Por prudência, viva um degrau abaixo e faça sobrar uma gordura para os momentos difíceis. Lembra do conta da formiga e da cigarra?  

4. Diversificação sempre

Nos momentos de crise fica mais fácil perceber a importância da diversificação em diversas classes de ativos, como ações, fundos imobiliários, renda fixa pública e privada, dólar, ativos no exterior, bitcoin etc. Enfim, diversificar em tantas quantas forem as classes de ativos que você entenda pertinente para compor seu portfólio.

Obviamente, se você não conhece o bitcoin, ou se você conhece mas não vê sentido nessa classe de ativo, não precisa diversificar nessa classe. Mencionei apenas a título de exemplo. A ideia, aqui, é diversificar em várias classes de ativos. Nos momentos de euforia, em que a Bolsa está subindo vertiginosamente, é comum surgirem influencers falando que estão 100% alocados em renda variável.

Cuidado com isso. O ideal é diversificar justamente para diminuir os riscos. É o velho conceito de “não colocar todos os ovos na mesma cesta”. Se essa cair, todos os ovos podem se quebrar e não vai lhe sobrar nada. Sempre seja prudente. Diversifique. Pesquise quais classes de ativo fazem sentido para você. Assim, se um ativo tiver uma péssima performance na crise, pode ser que outro ativo, que seja descorrelacionado, apresente uma performance melhor e segure sua carteira de investimentos.

Lembre-se do mantra muito bem escrito por André Bacci: “só a diversificação salva”.

5. Orçamento

As finanças pessoais também nos orientam a fazer nosso orçamento. É nossa lista com receitas e despesas. É necessário saber quanto de dinheiro entra no nosso bolso e quanto sai. E para onde vai o dinheiro que sai do nosso bolso.

Basicamente, é anotar entradas e saídas. Simples assim. Pode ser na planilha do Excel, no aplicativo no celular, no bloco de notas do celular, enfim, deve-se ter controle.

E dividir as categorias de despesas: moradia, transportes, alimentação, lazer, saúde etc. A ideia, aqui, é saber quanto você gasta com cada categoria. Você sabe quanto gasta com sua moradia? Isso inclui aluguel, luz, água, internet, IPTU. Você sabe quanto gasta com alimentação? Almoço na rua, compras no mercado, quitanda, açougue. Você sabe quanto gasta com saúde? Consultas médicas, remédios, academia.

Quando você tem o mapa dos seus gastos, você sabe exatamente como gasta seu dinheiro e sabe exatamente aquilo que é necessário gastar e aquilo que pode ser economizado. A única forma de encontrar seus gastos supérfluos ou exorbitantes é registrando tudo. Fazendo seu orçamento.

No momento de crise, você já terá todo seu orçamento mapeado e saberá exatamente quanto você gasta com as despesas essenciais que não podem ser cortadas (moradia, saúde etc) e quanto você gasta com coisas supérfluas que podem ser reduzidas. E saberá onde você pode cortar para enfrentar o momento de crise.

Enfim, essas são as cinco lições básicas que aprendemos com as finanças pessoais que, acredito, podem ser muito úteis em momento de crise. Na verdade, essas lições são úteis para toda a vida, porém, ainda mais necessárias nos momentos de crise.

Primeiro, domine bem os conceitos de finanças pessoais. Isso trará as bases necessárias para uma vida financeira tranquila, seja na bonança seja na tempestade.

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